— Eh lá! O Cachucho deitou um foguete!
— Não me chamo Cachucho. Chamo-me
Gadunhas, o que nunca corta as unhas!
– respondeu o bruxo, indignado.
— Não me faças rir. Tu és o Cachucho!
— Estou-te a dizer que não. Sou o Gadunhas!
— Eh lá! O Cachucho deitou um foguete!
— Não me chamo Cachucho. Chamo-me
Gadunhas, o que nunca corta as unhas!
– respondeu o bruxo, indignado.
— Não me faças rir. Tu és o Cachucho!
— Estou-te a dizer que não. Sou o Gadunhas!
Pode parecer estranho, mas estamos perante o início de uma grande amizade: entre um bruxo que caça meninos para a sua despensa e aquela que iria ser a sua próxima vítima. Contudo, a in- teligência da pequena Branca vai evitar que Gadunhas a coma. E mais, vai fazer com que a vida desta personagem que nunca cortava as unhas dê uma volta de 360 graus.
Branca é astuta como uma raposa e esperta como uma coruja. Gadunhas, carecendo destas duas qualidades, é presa fácil para o jogo de confusão que a menina inicia quando, certa noite, o bruxo entra no seu quarto para a devorar.
Branca insistiu, paciente:
— Não sejas caramelo e olha bem para o teu cabelo.
O bruxo tirou o chapéu e, quase a chorar, disse:
— O que é que tem o meu cabelo?
— Qual cabelo? São três ou quatro cabelos… Os cabelos do Bruxo Cachucho!
Riduculizado algumas das suas caraterísticas físicas, às quais Gadunhas nunca antes prestara atenção, Branca consegur que o bruxo duvide da sua identidade – e até de que a possa comer – e acabe por fugir para sua casa, desconsertado e deprimido.
Desta forma, o carrasco passa a ser a vítima. E vice-versa. Não obstante, nem o texto de Margarita del Mazo nem as ilustrações da dinamarquesa Charlotte Pardi nos levam a crer que estamos perante uma história cruel ou triste. Antes pelo contrário. A história destila humor, tanto através dos engenhosos diálogos da habitual colaboradora da OQO, como das divertidas e frescas imagens com que a artista dinamarquesa se estreia na editorial.
«Ri-me às gargalhadas enquanto escrevia esta história. Chorei a rir quando a partilhei com os meus. Quando a comecei a escrever, pensei que estava a fazer uma história para morrer de medo, mas o resultado foi uma história que nos fazia morrer a rir», destaca Margarita del Mazo.
O conto vai mais para além do entretenimento, uma vez que a principal mensagem gira em torno da astúcia, «qualidade que transforma o mais fraco em forte», destaca a escritora, que também considera importante «ver-se de vez em quando ao espelho, para que ninguém seja enganado se lhe disserem que é de outra maneira».
O papel de Charlotte Pardi é muito importante precisamente na aparência física de Gadunhas. A ilustradora reconhece que levou algum tempo a decidir o seu aspeto. «Tinha de provocar algum medo, mas também transmitir doçura”, aponta sobre as dificuldades que enfrentou para criar uma personagem não muito agraciada, nem física nem intelectualmente.
Em contrapartida, admite que foi «fácil» dar vida à menina. A
artista costuma inspirar-se em pessoas do seu círculo para criar as
personagens. Neste caso, Branca tem muito da sua afilhada, «que é muito
divertida e inteligente, a criança perfeita para enganar o Gadunhas!»
Alén disso, idealizou um quarto com um grande número de peluches, para
ela não ficar a sós com Gadunhas. Apesar da aparição noturna de um
bruxo, Branca permanece, surpreendente- mente, tranquila e segura. São
os bonecos – com os seus olhos abertos e a sua atitude exprec- tante –
que nos trasmitem um estado de alma mais apropriado e de acordo com a
situação.
Deste modo, Charlotte Pardi usou um recurso muito habitual nos mais
pequenos: expressar os sentimentos (medos, inseguranças, filias ou
fobias) através dos bonecos. Um papel também desempenhado por
histórias como esta.
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